A necessidade de estar aborrecido

A pessoa que hoje tem dificuldade em lidar com o aborrecimento perde uma das maiores fontes de compreensão do mundo e de si própria.
Quantas vezes estamos numa situação de vida real, um convívio com pessoas reais, um espetáculo, uma celebração especial, um mero jantar de família, uma fila de supermercado, sejam eles miúdos ou graúdos e os dedos não resistem a procurar novas mensagens no telemóvel, ou se existe algo de novo – e menos aborrecido – no mural das redes sociais.
O aborrecimento não é uma tragédia e traz benefícios!
Quando estamos aborrecidos, parados, sem nenhuma distração, notamos que o tempo passa mais devagar, porque é suposto passar e não há mal nenhum em aproveitar o aqui e o agora. Não há mal nenhum em apenas contemplar, refletir, olhar, fechar os olhos …. Não há mal nenhum em só estar, sem distrações ininterruptas.
E isto não é apenas um alerta para os nossos miúdos ultra tecnológicos, é principalmente um alerta para os Pais destes miúdos, que ficam presos nas teias do Scroll e não dão o exemplo. Este comportamento é encarado como uma forma de combater o tédio, mas afinal, fazer Scroll não nos deixa entretidos, mas sim aborrecidos! Um estudo publicado recentemente no Journal of Experimental Psychology veio mostrar que acontece efetivamente o contrário. Ver vídeos curtos aumenta os níveis e sensação de tédio, ver um vídeo até ao fim e ter interesse pelo conteúdo não passando logo para o seguinte, providencia maior entretenimento e logo menos tédio.
É importante educar e educar-nos para saber lidar com o "silêncio cognitivo". Analisar como a nossa mente responde ao aborrecimento. O que sentimos? Em que pensamos?! Isto não é tédio, é compreensão, do que se passa dentro de nós e do que se passa com o mundo, ou seja, fora de nós.
Li em alguns textos que "o tédio é o último privilégio de uma mente livre", falamos aqui no aproveitamento dos tais momentos sem fazer nada, em silêncio, sem recorrer a mecanismos de distração, momentos de solitude e não de solidão. Momentos de encontro que são essências para nos reinventarmos e evitar sermos consumidos pelo excesso de tudo à nossa volta.
O tédio, mesmo com a sua má reputação, pode aumentar a criatividade, o nível de comprometimento com as tarefas e a produtividade. Uma experiência publicada na revista Science, mostrou que existem pessoas que preferem levar um leve choque elétrico do que ficar sozinhas com os seus pensamentos.
A neurocientista Alicia Walf, pesquisadora do Departamento de Ciências Cognitivas do Instituto Politécnico Rensselaer, nos Estados Unidos, afirma que é fundamental para a saúde cerebral deixar-se ficar entediado de vez em quando. "O tédio melhora as conexões sociais. Os neurocientistas sociais concluíram que o cérebro tem uma rede de modo padrão que é ativada quando paramos de fazer coisas. Na verdade, o tédio pode fomentar ideias criativas, reabastecendo as reservas reduzidas e proporcionando um período de incubação para que surjam ideias de trabalho embrionárias".
O tédio é uma emoção, no caso frustração, é o resultado de uma busca de estímulos cerebrais que não foi atendida. E não há problema nenhum em não atender estas necessidades e em ficar apenas a respirar, a existir. Aliás o problema está na procura incessante por algo para não lidar com estes momentos, sendo que este algo é muitas vezes apenas vazio, sem sentido, preenchido com mais vazio, que também não traz sentido, como o Scroll compulsivo.
Convido a que todos cultivem o tédio e ensinem os Vossos filhos a fazer o mesmo. Que saibam aproveitar apenas o tempo e o aproveitar não tem sempre que implicar fazer, ver, coisas. Aliás é como a rotina, a vida é rotina, aceitar esta realidade permite apreciar os momentos únicos que acontecem pelo meio. Isto não é sempre uma aventura para ninguém certo?! Pessoas reais têm vidas reais e isto implica rotina, tédio, não fazer nada, aborrecimento, descanso, verdade!
Aborrece-te para criares, para analisares, para seres mais forte!
Temos que procurar soluções para esta necessidade de distração constante e encontrar um equilíbrio. Limitar a utilização de gadgets, procurar ajuda para aumentar níveis de autoconhecimento, desligar notificações, procurar outras distrações: exercício físico, marcar passeios e convívios, começar a escrever, a dançar…
Por favor aborreçam-se!